Este documento é uma carta em apoio á professora Mara Telles
"Vimos por meio desta prestar nossa solidariedade à professora Mara Telles diante dos
ataques públicos que vem sofrendo pelo Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CACS)
e pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) desta universidade.
No dia 11/03/2023 a professora publicou na rede social Twitter, as seguintes opiniões a
respeito de artigo que tinha por manchete "pessoas que menstruam terão absorventes
distribuídos de forma gratuita":
"pessoas que menstruam". Já estou começando a sentir saudades de quando só
queriam a "linguagem neutra".
Não era mais fácil usar a seguinte manchete: "Através de programa do SUS, governo
distribuirá absorventes de forma gratuita" ?
o identitarismo sectário se sente incluído no “Dia da Mulher”, mas omite o nome mulher
como beneficiário da distribuição de absorventes? Estou surpresa!!!
Tais opiniões não apenas estão protegidas pelo direito à livre manifestação de
pensamento (art. 5º da Constituição Federal) e pela autonomia e liberdade de cátedra
como são compartilhadas por milhões de mulheres mundo afora.
A título de exemplo, recentemente no Brasil o debate sobre a expressão "pessoas que
menstruam" em substituição ao uso da palavra mulher foi levantado pela filósofa Djamila
Ribeiro, em sua coluna na Folha de São Paulo de 01/12/2022.
Em resposta às mensagens postadas em rede social por Mara Telles, o CACS solicitou
a exoneração da professora e também a acusou, publicamente, de "transfobia",
conforme postagem na rede social Instagram. Em que pese o CACS ter em seguida apagado a nota de "denúncia", a mesma ainda pode ser lida no perfil do DCE.
Antes mesmo da nota pública ser retirada do ar, as dezenas de comentários,
majoritariamente críticos à atitude do CACS, foram apagadas, em uma atitude de total
falta de abertura para o contraditório ou diálogo com os que pensam de outra forma.
Alguns comentários ainda podem ser vistos em outra postagem do perfil.
Ao fazer tal acusação à professora, o CACS está promovendo o assassinato de sua
reputação, arma misógina frequentemente utilizada contra mulheres e uma tentativa de
intimidação e silenciamento não apenas de Mara Telles mas de todas as mulheres que
frequentam a UFMG e porventura compartilhem de sua opinião.
Além disso, o CACS e o DCE estão incorrendo nos crimes de calúnia e difamação ao
acusá-la de um crime que não cometeu.
A universidade deve ser um espaço de livre debate de ideias, de forma democrática.
Uma universidade pública tem um compromisso ainda maior com a liberdade de
pensamento, único campo fértil para uma produção científica rica e plural. Todos os que
estão vinculados a uma universidade devem se ater aos princípios democráticos,
incluindo o corpo discente.
Toda mulher tem o direito de se expressar publicamente a partir de sua vivência,
visão de mundo ou bagagem teórica, independente de sua ideologia, religião ou
orientação política. Na prática, no entanto, as mulheres ainda são impedidas de gozar
plenamente de tais direitos, sendo o único grupo ao qual atualmente não se concede
lugar de fala sobre a materialidade de sua existência e os impactos das políticas de
auto-identificação de gênero sobre seus direitos. Somos o único grupo ao qual
atualmente não se reconhece o direito de produzir sua própria epistemologia.
O que as organizações estudantis acima mencionadas estão fazendo com a professora
Mara Telles é a perseguição a ideias contrárias às suas, mesmo sendo ideias
perfeitamente democráticas. Mais grave ainda, tal ataque à liberdade de expressão e
pensamento compromete todo o espaço democrático da universidade ao sinalizar que
é permitido perseguir publicamente mulheres de quem se discorde.
Solicitamos a esta Reitoria que tome as medidas cabíveis para garantir um amplo
debate em seu seio a respeito de democracia, liberdade de pensamento e o papel da
universidade em fomentar a troca de ideias entre seus membros. A cultura do
cancelamento que tem reinado nas universidades mundo afora prejudica tanto aqueles
que delas fazem parte quanto a sociedade como um todo, que se vê privada dos
benefícios de uma produção acadêmica rica e variada.
O papel da universidade, para além de formar futuros profissionais, é o de formar
cidadãos. E não há futuro possível para o Brasil com uma juventude que não aprenda
na universidade a respeitar as opiniões divergentes e debate-las de forma democrática.
Assim, as abaixo assinadas organizações, mulheres e apoiadores solicitam à UFMG
que desconsidere o pedido de exoneração da professora e tome providências em
relação à atuação do CACS e do DCE neste episódio, prezando assim a manutenção
das condições essenciais para o bom desenrolar da formação e da pesquisa acadêmica
que são suas missões.
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